sábado, 21 de novembro de 2015

Seu Agripino

Ele estava lá dentro. Com sua blusa rosa, seu sorriso manso, lá estava.
Foi todo mundo a chamar: Agripino, vem cá vê história de moça.
Conta uma, conta duas, venho e digo:
- E tem um senhor, em um povoado chamado Alegre, que também me inspirou em contar história. Nos recebeu na casa dele tempos atrás, e minha homenagem é pequenina, mas de coração.
Vi ele, ali no cantinho, limpando lágrima de rosto. Sorriso manso, óia, sou eu!
Era, Seu Agripino. Seus pássaros, sua sala, sua sabedoria mansa e leve, doce e funda.
- É que faço coisa miúda pra modi que assim todo mundo vê a grandeza que ali habita – disse eu com boneco na mão. Depois veio ele ver de perto, e eu a ver de perto ele.

Houve riso muito, houve choro pouco, houve encontro. Eu seguindo, centelha de emoção.





Fotografias por Alice Cunha:







Fotografia por Fábio Zambom:




Povoado Alegre, Itaguaçu da Bahia, Bahia.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Reencontros e oficina - povoado Alegre







OFICINA DE MINIATURAS:


(fotografia por Alice Cunha)



Seu Pedro

- Tenho na minha roça de tudo. Dou pra todo mundo. Mas fico uns 3 dias às veiz sem comê nada.
- Mas Seu Pedro, o senhor não cozinha?
- Não, gosto não de cozinhá. Óia... eu num gosto de abusá minha natureza.
  


A roça é pra todos.
É pro pai, é pra mãe, filho, pro gafanhoto, pra lagarta e pra formiga.
Pra um só não serve

(disse o finado pai de Seu Pedro para ele, há tempos atrás).


Povoado Alegre - Itaguaçu da Bahia, Bahia.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Povoado Alegre, Itaguaçu da Bahia

Abóboras. Melancias. Mangas. O carro tem-se repleto.
Fomos presenteadas por inúmeras pessoas da Comunidade. Virou sopa, suco, contagem de Timtim:
- 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 abóboias!
- Ele conta até 7! – Dona Maria espantada.
Sim, mas tanto faz, tanto faz.

Na noite anterior Festa da Consciência Negra. Eu a apresentar antes e dar peito para filho depois.

(Fotografia por Laura Franco)

Cá é Comunidade quilombola, o povo todo a reunir-se em praça ao redor de dança e de capoeira. A pele negra a embelezar a noite. Feito chuva, o suor a ressaltar o brilho da pele.
Na pele, a intensidade da cor.
O intenso caminho, trajeto, história.
A batalha de anos simplificada em um giro de capoeira, saudação, berimbau.


O Timtim a olhar encantado até se entregar à mama e ao sono, torto, em meu colo suado.
O ir para nossa casa que é Tempo.
O descobrir de refúgio: deixando a janela de cima aberta posso dormir a olhar céu.
O céu.
A imensidão do céu de cá.
Do que não se vê em cidade; do que não é visível aos olhos urbanos.
Do que só o chão de terra é feito, e areia, e arreia.

O desejo fundo por mais tempo no Tempo.
Menos corrida e mais imensidão.

Mais e mais histórias... e noite, escuridão.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

despedida

Era vez primeira que viajávamos sós: Timtim e eu. Nem viagem ainda era: estávamos apenas a ir buscar parceiras de andanças, mas deu-me o gosto.
No carro longo o pequeno na cadeirinha ao fundo a assistir desenhos gravados pelo pai. Na frente eu a sussurrar oração inventada, a rezar por viagem – que siga sendo doce, Ogum abra caminhos, Deus, Deusas, Imensidão... que seja doce.



Na despedida de Salvador a família reunida: é vó Jacy,é vô Rominho, é titio Diogo e titia Larissa. Papai. Abraços. A despedida a seguir sendo sempre um silêncio doído refugiado em sorriso. Choro silenciado de não saber quando iremos reencontra-los, mas logo a gente se encontra, a gente se encontra!


Encontrei-me, assim, com a moça do GPS – minha mais nova amiga imaginária. Feito fã adolescente de ator global que à fã não enxerga, a moça ditava-me o caminho.
Pouco depois o encontro com elas: as mulheres que agora viajarão conosco, Laura, ainda, e Alice.


O trajeto dessa vez pressupõe o encontro com dois povoados visitados em 2012: Jenipapeiro e Alegre, na Bahia. As trocas, os caminhos, o não saber, o ir ao encontro dos reencontros. Seguimos.

domingo, 1 de novembro de 2015

calma


Ter pressa na vida que implora por calmaria.
Por viver o momento pleno e fundo; por não correr para se chegar.
Entender que importa mais a tranquilidade pousada nos ombros de quem queremos bem. Do querer bem à Laura – mulher pequena com todos os atributos desta grandeza. De querer bem à Nathália – esta irmã que intuí ser a pessoa essencial à viagem (e foi, e é!).
Estas mulheres-guerreiras-faceiras.
A sorrir em nossos piores momentos: sem banho, sem água, sem luz, sem ação.

Ter calmaria na vida que (dizem) implorar por pressa.
Pelo toque da vitrola.
Pelo Timtim a dormir tranquilo na cama por sobre a cabine.
Pelo café da titia Nath a cheirar.
Pelo cheiro dado pós-banho na titia Óia.



Um impulso de querer isto para sempre – estas parcerias, esta calma, esta vida.
Apesar de toda dor, para além de toda lágrima que pinga ou pingou...
Querer isto
para sempre
todo meu
(pequeno)
(e vivo)

o sempre!

Fotografias por Nathália Miranda (e Timtim)

sábado, 31 de outubro de 2015

Dona Maria, esta de Minas

Dona Maria – esta de Poções – nos acolheu como da outra vez.
- Vem comer, tomar banho, tomar café - chamava ela.
A gente ia.
- Parece filha distante, agora tenho mais um netinho – dizia.




Dona Maria – esta de Minas – estava guardada em casa na chegada. Chegamos com sanfona enquanto as/os moradoras/es se escondiam dentro das portas e janelas a espiar.
- Quem vem lá?
- Não sei, fecha a porta por garantia.

Quando reconheci casa e chamei na porta veio vulto.
- Aqui é a casa da Dona Maria? Seu Lau?
Era.
- Lembra de mim?
As portas e portões e janelas se abriram todos em seguida:
- A moça! A palhaça!

A apresentação de Brasil Pequeno foi ali, mais tarde. Foi chegando vizinha, vizinho, que coisa mais linda, olha ali Dona Ibilina, Dona Bil...! Gente a se emocionar e eu a me emocionar com as gentes.
Depois teve mais conversa com Dona Maria – esta – a elogiar apresentação.
- Aquela apresentação daquela vez foi bonita, mas esta... eu gostei mais! Bom demais ver amizade nossa crescendo, se realizando, voltando pra ver nóis...!






Bom demais foi rever acolhida, carinho, vidas que seguem a brotar poesia em cotidiano. A inspirar vida, arte, um atrelar de andanças.

Fez calor muito, fez sacudir de estrada... no entanto, fez coração implodir em gratidão. Canção de encontro; vislumbre de troca.

Fotografias por Nathália Miranda

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Povoado Poções, Minas Gerais


Chove no sertão.
Feito trégua, fiapo de rio.
Chove pouco, marcha lenta... mas chove.
Povo de cá bem sabe de chuva pouca, sertão. Barragem baixa, sol ligeiro, falta de plantação. Povo de cá acostumou com secura, com água miúda, com silêncio de céu.
Agora chove pouco, mas chove.
Vem feito benção, esta água a cair
len-ta-men-te
va-ga-ro-sa-men-te
feito carinho em abraço.

A inundar o nariz de cheiro de terra que agradece o céu: chove. Pouco. Mas chove.

Agora parto para escola – dar oficina, trocar, mais apresentações. Daqui a pouco, início da tarde, partimos para outro local: daqui de Minas Gerais vamos para Bahia.

Tão certo que é sol voltar a rachar terra

é a gente a voltar a trilhar chão.















Fotografias por Nathália Miranda

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Dona Bil, Ibilina




Encontramos ela: a Dona Bil, Ibilina.
Estava lá na igreja, a rezar. Feito tempo traçado em silêncio, o terço enrolado em seus dedos finos e longos. Ouviu som de sanfona na rua e veio ver – isso me disse depois. Estava lá, sozinha, na igreja. Veio.  A senhora lembra de mim? Olha, que lembro... lembro! A menina das apresentação! – me nomeou.
Veio ela com seus 91 anos. Feito tempo. Feito brecha de asfalto, ruga de chão, raiz de vento. Veio a Dona Bil, Ibilina. ´´Cê voltou, menina? Tá é mais bonita, mais muié!´´ - dizia.
Disse que sim. Que havia voltado em agradecimento, gratidão pelo encontro de 6 anos atrás. Disse eu ainda que vim a mostrar mais coisas que fiz: bonecos miúdos de homenagem distante. Mostrei menina. E depois, sem titubear, mostrei a boneca dela: Dona Bil. Falei: fiz de uma senhora que conheci há alguns anos, em um lugar feito esse, em um olhar feito esse. Ela me olhou, estendeu braço pra boneca que dançou. Sorriu. Mirou fundo no meu olho e nos comunicamos em silêncio e suspiro.
Valentim ali ao lado, Laura e Nat atrás.
Aqueles minutos para mim duraram anos, sigo até agora lá: encostada na cerca da igreja, frente à senhora Bil, Ibilina. Com seu terço na mão, seu tempo no olho, seu sorriso. Sigo lá, sigo aqui, sigo.

Se a gente não é feito de emoção eu não sei mais pelo que se há de viver. 

Fotografias por Nathália Miranda