quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Oficinas

Oficinas. Mecânicas. De baterias. De casa/carro. Tantas foram. Tantas seguem sendo.
Partimos tendo passado por duas, e agora somam-se seis. Tanto detalhe, peça, necessidade. Tanto gasto, tempo no Tempo...
E a gente de cá a ficar agoniada, a querer sair, partir, pegar chão.
Agora de quatro rodas passamos para seis. O Tempo instável demais nos consumia, e consome. A gente não sabe bem dele como não sabe bem da gente. Ou busca saber.

Cá de dentro são quatro rotinas bagunçadas em uma só. A gente desequilibra. Dói cair em si e perceber que adaptar-se é rota certa, precisa, necessária. ´´Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia....´´ Tudo passa, passará, passarinho, já disse o Quintana, o Mário. Anda a passar.

E a gente rebola e embola feito parafuso fino. A gente busca se adaptar com a realidade assim, bagunçada. Com as novas inexistentes rotinas. Busca não perder a alegria em meio a tanto turbilhão.

A gente busca olhar para o mecânico e enxergar detalhe. Além da roda, do parafuso, da graxa e do óleo. Busca curtir o hoje sem implorar pelo amanhã.

Daqui da borracharia, dormindo ao lado do trator, a gente busca se divertir e seguir a viver sonho.
Fazemos um bolo. Uma pipoca. Um café.
Fazemos uma foto. Um escrito. Uma canção.
Deixa cair a chuva na telha furada da oficina.

A gente busca não enlouquecer em realidade de solda infinita.


Fotos por Nathália Miranda

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Balneário Barra do Sul, SC

Reencontrar Zila, Zilair. Ir ao encontro dela, ligar para número dado pelo filho, errar estrada e errar e errar até encontrar. Sermos recebidas com café, bolo, ´´bolo-titia´´ - pedia Timtim a lamber beiços e comer comer.
Saber mais dela a seguir em escola: um amor pela escola, pela educação, pelos alunos que lá acompanhou e segue a acompanhar. Saber mais de filho dela, Cássio: que se tornou homem, não mais menino é. Saber que está quase a se formar naquilo que, àquele tempo, só desejo era.Apresentar na escola, alunos em olhos de sorrisos. Dar a oficina lá – ouvir de histórias, mais histórias agora trazidas por eles. 










Apresentar para professores em reunião. E uma delas, Evelin, a acolher ´Brasil Pequeno´ em sua casa.
Reencontrar com espetáculo em detalhes e olhares. Casa – campo de morada e aconchego. Casa – local de família e intimidade. Ambiente íntimo e acolhedor feito sofá fofo.









Reencontrar. Reacender chama cá dentro, cá em mim, 
do porquê se ir, se vir. Se ver. Andar.


Fotos por Nathália Miranda

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Seu Miro, pescador

Balneário Barra do Sul / Santa Catarina, 21 de setembro de 2015

Manhã de primeira semana. Timtim a acordar catarolando na ´´cama roxa´´ sobre a cabine do Tempo. Logo resolve fazer mais barulho, pedir por atenção, ´´acordá titias´´. Espia Nat e Laura pela fresta da cortina. Não, filho, deixa elas dormindo um pouco mais.

Troco fralda, roupa outra, abro porta. A lagoa. Um senhor sentado de costas em seu banquinho. Bem que poderia ser meu avô; deve mesmo é ser avô de alguém. Timtim vê: ´´titio!´´ - diz. Corre pra lá, acompanho passos atrás, na distância.
- Oi! – diz menino para senhor sereno, tranquilo, em seu banquinho que dobra.
- Bom dia! – responde o senhor.
- Quê cê tá fazenu?
- Tô pescando.
- Ahhhh... etendi!

Menino vai a observar água – de um lado a outro, até se deparar com iscas no gramado.
- Quê é isso, titio?
- Iscas!
Menino corre mais, vê balde.
- Aí são os peixinhos – adianta-se o senhor.
Menino de mãos nos joelhos e cabeça quase dentro do balde, a observar. Senhor pega um peixe do balde, mostra.
- Pode pegá, titio?
- Tem ferrão, machuca, melhor não.
- Ahhhh.. etendi!

Menino segue a olhar peixes no balde enquanto senhor retorna para sua vara de pesca que vibra. Cabeça de menino praticamente dentro do balde, joelhos ainda levemente dobrados, mãos nos joelhos. Peixes mexem, molham menino no rosto que só agora me olha: bochechas e blusa aguadas.
- Ih, molhou, né amor?
- Sim. Peixinhos... mexeu abo!

E fez-se silêncio. A gente a observar lagoa e senhor e gramado e iscas e peixes. Eu, ali, não quis perguntar, saber, não expliquei nem intermediei. Eu ali fui feito lagoa, feito vara a vibrar peixe.
- Como é su nome, titio?
- Miro!
- Miiu.
- Isso.

E seguiu sendo manhã.


quarta-feira, 23 de setembro de 2015

LIVRO das MARAVILHAS #1

Escrito: Verdume
Autoria: Laura Franco

Estamos na estrada. Ao lado do pequeno, da janela da casa, avisto tira horizontal a correr bonitezas. Miragens de um Brasil imenso, árvores e folhas tantas de um verde diverso daquele que chamo de meu. E como acalma o coração esse olhar peregrino inundado de mato. Há verdes aqui onde dizem ser Sul. Verde alto. Verde escuro. Mancha a borrar janela de carro: povo generoso, nação amorosa, reino-doação: gente de outro tipo agora a florescer, pois que é chegada a Primavera.
Em trânsito, tomada pela paisagem, pela força insistente do verdume, percebo-me grata por habitar mesmo mundo que estes seres incondicionalmente entregues a sobrevivência e maturação da humanidade – esta de que sou viva parte.
Avisto e sinto.
Silencio e entendo um naco além.


Lá fora, chove.
Meus olhos chovem.
E eu, água profunda e escura, peço bença a todo verdume da Terra.


Fotografias por Nathalia Miranda

Obs.: No Vale do Capão, onde moro na Bahia, há um camarada bem especial, escritor e artista plástico, que é também médico do PSF da povoação. Ele, Áureo Augusto (http://aureoaugusto.blogspot.com.br/), um dia, receitou, em seu consultório, a um bem querer meu, a artista cênica e amor Alice Cunha, a escritura de um certo LIVRO das MARAVILHAS. Coisa simples de se fazer, mas valioso recurso para ganho e cultivo da saúde em caráter integral. O caminho: fotografar com o olhar as belezuras do viver; fotografá-las e tomá-las como páginas deste livro guardado em preciosa estante den' da gente. Além disto, sempre que possível folheá-lo com calma. E só.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Partida, 18 de setembro de 2015

Sair foi feito parir: um vai-e-vem de vontades, carências, emoções. 
Um vai-e-vem de contrações, suposições, desejos.

A gente partiu porque precisava. Vontade é flor maior, é tinta colorida na testa de menino. Vontade forte não se pesa com balança, nem com certezas, nem com prontidão. Sabíamos que não estávamos prontas. Nunca se está pronta em vésperas de desconhecido. E talvez, justamente por isso, sabíamos as três que era dada a hora: não importa que chuveiro não funcionou direito, que bateria arriou, que faltavam coisas a se resolver. Era hora. Fez-se hora. Vamos partir.

Menino acompanhou feito balanço de onda: em calmaria, alegria doce. A ´´casinha verde´´ - como ele nomeou – fez-se mesmo morada. Na parada do cafezinho menino a espiar chuva pela janela da porta por detrás da cortina florida. Por ali dava pra ver: o céu fez choro. Talvez chorou a tristeza minha de ir para longe de minha mãe/vó; de pai de menino; de amizades gaúchas. Chuva chorou feito eu, a escorrer partida. Pois fez-se hora.

- Teu sonho foi bem grande, moça – disse-me Laurinha a dar a mão e os olhos em momento de adeus. As pequenices... cá tramaram seus fios. Agora com o pequeno menino e estas duas parceiras de estrada, seguimos.
Com fé e com ouvidos, com querências e por sentidos.
É dada a hora
partimos
parimos sonho.   




Canção

Uma canção para embalar nosso caminhar.
Uma oração.
Prece ao Tempo por Laura Franco

TEMPO

Fotografia por Laura Franco
Edição da imagem: Nathalia Miranda
O tempo está se fazendo lento, como às vezes gosta de ser. Meio assim, como sou um bocado. E como pauso. Tem sido no respiro do correr dos dias para fazê-lo apressar-se um naco, o perceber sereno de que está a nos contar ser ele, o tempo-carro, quem cadenciará esse nosso andar. Sim, cá, dentro de mim, sinto que arrumo malas para descobrir os encantos de viver lesma, tartaruga, tatu, caramujo. Nada mais vou fazer na estrada senão aprender a habitar casa cultivada ali às costas. Nada pesada, bem pequenina, sobre rodas. Morada nossa. Corpo meu de porta aberta para quem quiser, com amor, entrar.

Todo resto é mistério.

Encontros

Foto por Nathália Miranda


Que o real se dispõe é no meio da travessia; e que somos feitos de encontros, curvas e caminhos.
Porque se a vida não é arte do encontro, eu não sei bem o que é.

casa nova


Eu não quero enriquecer.
Ainda que artista e vaidosa, leonina mesmo sem querer, também não quero ficar famosa. A famosidade cansa. A gente some no turbilhão de olhos, a gente já não sabe mais pra quem olhar. Prefiro um olhar fundo de um aos olhares foscos de milhares. Porém, um pouco aconteceu. Quando explodiu um vídeo, um pouquinho aconteceu. E eu não soube controlar. Olhares de todos os lados lançaram-se sobre minhas miudezas. Eu assustei. Um pouco vibro e um pouco choro, mas não há controle. Talvez parando de viver minha arte, mas aí seria morte minha por dentro e, lentamente, por fora. Mostre-se menos – seria resposta rápida. Mas meu mostrar para mim é compartilhar, e troca é preciso, a todo instante, ao máximo, o tempo todo.

Não sou famosa grande, ufa. É que pequenices me agigantam.

Agora, minha grandeza é comprar e tecer esta minha casa flutuante. Tem no quintal o mundo, é sonho antigo e conseguido pé por pé, gota por gota. Ah, mas ganhou prêmios. Ah, mas assim é fácil. Mas amigo: é caminho, não roubo. É trilha, não combate. É junção de 1+1, 2+2, é pensar e guardar pouquinho ,  é ver impossível aqui e só possível ali, é desejo grande e por isso mesmo lançar grande para tentar e forçar forçar forçar forçar a porta até abrir. Quantos nãos são precisos para um sim? Milhares. Artistas tendem a saber bem isto, sobretudo circenses, sobretudo sós. A gente quase se acostuma com os nãos. A gente de fato se acostuma. Mas a gente sofre e desiste e na manhã seguinte já tenta de novo porque desejo é maior.

Apresento-lhes minha casa nova, morada usada, meu furgão. Há cinco anos guardo silêncio de sonho, mas sabendo precisar. Feito ensinamento de Seu Bide do Paraná com xícara na mão: não precisa falar, trabalhe e quando se darão conta está lá com seu desejo na mão. Minha trilha é nômade, soube disto da primeira vez que parti sozinha. Com o tempo, filho veio e certeza foi maior: ele precisa ver. Pelas Deusas e Deuses e Santos e Forças Todas, meu filho precisa ver este mundo. Que é maior que a gente, sempre maior, bem maior. É um Bem maior. As culturas. Os sonhos dos outros. Os amores. Os olhares.

Apresento-lhes, meus caros, minha nova vida. Ainda há frestas que não sou capaz de definir: como será, de que forma, quanto tempo, quais abismos. É cedo, o horizonte recém se abre lentamente feito raiar de dia.
Eu sou de ir, e vou-me.
A quem interessar possa, sempre escreverei, porque faz parte de meu trocar.
A quem quiser chá ou cafezinho, cá sempre há, e olhos nos olhos também.
Eu sou de ir, e vou-me.
De resto já não sou mais eu.
De resto segue sendo trilha, façamos.
Façamos, vamos amar!

(escrito em 20.10.2014)